Victor-Émile Michelet
Victor-Émile Michelet (1861-1938) é uma figura importante para o Martinismo. Antigo companheiro de Stanislas de Guaita, de Papus e de Augustin Chaboseau, foi membro do primeiro Supremo Conselho da Ordem Martinista, em 1891. Em Paris, dirigiu a Loja Velleda, que se consagrava ao estudo do simbolismo. Martinista muito ativo, escreveu numerosos artigos para as revistas L‘Initiation e O Véu de Isis. Brilhante orador, apresentou muitas conferências para o Grupo Independente de Estudos Esotéricos fundado por Papus. Foi nessa época que publicou um de seus primeiros textos, O Esoterismo na Arte, na Librairie du Merveilleux. Após a desestruturação da Ordem, causada pela morte de Papus e pela guerra de 1914-1918, Michelet se encontra no grupo que, com Augustin Chaboseau, Chamuel e Octave Béliard, funda, em 1920, a associação Amigos de Claude de Saint-Martin, também chamada de Ordem Martinista. Esta associação originou o grupo Athanor, dirigido pelo próprio Victor-Émile Michelet. A partir de 1931, esse grupo tomou o nome de Tradicional Ordem Martinista. A Ordem foi inicialmente dirigida por Augustin Chaboseau, tendo mais tarde, em abril de 1932, Victor-Émile Michelet assumido essa função. Ele permaneceu como Grande Mestre da TOM até sua morte, em 12 de janeiro de 1938. Sob sua direção, a Ordem permanece discreta. Por vezes se manifesta através do grupo Tau, que publica na altura um boletim de estudos psicológicos e metafísicos e organiza conferências no Palácio da Mutualidade. Victor-Émile Michelet dá ainda algumas conferências para a revista Atlantis. Notável escritor, apaixonado pelo esoterismo e pela poesia, é autor de poemas, contos e peças de teatro. Em 1900, seus méritos foram reconhecidos: um prêmio da Academia Francesa recompensa seus dois primeiros livros, os Contos Aventureiros e os Contos Sobrehumanos. Recebe também o prêmio Sully Prudhomme por sua antologia de poemas intitulada A Porta de Ouro. Em 1937, alguns meses antes de passar para o Oriente Eterno, publica Os Companheiros da Hierofania, um livro no qual evoca suas reminiscências de personalidades tais como Papus, Stanislas de Guaita, Barlet, Sédir, Péladan, Saint-Yves d’Alveydre… Esse livro é um testemunho vivo do grande período do ocultismo na Belle-Époque e do qual Victor-Émile Michelet foi um dos atores essenciais. Místico e visionário, concedeu um lugar fundamental para o simbolismo em seus escritos, e é exatamente aí que se situa sua contribuição mais específica. Amigo dos maiores escritores de sua época, exerceu importantes responsabilidades no mundo das letras. Foi presidente da Sociedade de Poesia (1910), presidente da Sociedade Baudelaire (1921), membro do Conselho da Casa da Poesia (1931), bâtonnier da Academia dos Poetas (1932) e presidente honorário da Sociedade dos Poetas Franceses. Foi ainda cavaleiro da Légion d’Honneur. Em 1954, Richard E. Knowles fez uma homenagem a este companheiro da hierofania pela publicação de Victor-Émile Michelet, poete esotérico, contendo um belo prefácio de Gaston Bachelard (Edições Vrin). Como disse Richard E. Knowles no final de seu livro: « Em Victor-Émile Michelet temos um exegeta consumado do Esoterismo – um pensador esotérico de quilate insuspeito, e isto porque tinha a ciência e a fé. Um Iniciado que, por direito, ocupava um lugar no Santuário junto a seu amigo Villiers de l’Isle-Adam e de seis outros pares que compunham a epígrafe dos Contos Sobrehumanos. » Com raríssimas exceções, sua obra puramente literária é, assim como sua obra erudita e doutrinária, marcada pelo hermetismo. Em Michelet, aliás, o hermetismo está mais presente do que nas obras de Edgar Allan Poe, de Gérard de Nerval e até mesmo de Villiers de l’Isle-Adam. Victor-Émile Michelet havia consagrado à Transcendência todas as energias de sua mente e de seu coração. O mistério de sua vida interior ele soube encerrar na torre de marfim recomendada ao iniciado. Uma luz o habitava. Ele se preservou de fazer dela um farol. Durante sua longa existência, sua alma profunda permaneceu como se ancorada no silêncio de seu próprio abismo – neste silêncio solitário em que ressoam em troares de relâmpago todas as tempestades que o agitam e todos os ecosdo divino. O poema abaixo, intitulado O Silêncio, é característico dessa atitude. Além disso, sua temática está em perfeita ressonância com a filosofia martinista. O Silêncio Tu não terás outra morada senão teu coração; Pois sobre a Terra, onde somos viajantes, Ninguém construirá sua morada permanente: Tu não terás outra morada senão teu coração. Então, ao redor dele, na atmosfera ardente, Que nasce dele, que o envolve e que aspira Todos os raios vindos das coisas que ele deseja, Evoca o silêncio e o divino silêncio; A forma que reveste a primeira hipostase, Obedecendo a quem a espera com poder, Levar-te-á sobre as quatro asas do êxtase. A vida interior é feita de silêncio. Ela é o palácio cuja base é o silêncio. Ela é a flor de fogo: o silêncio é o vaso, O silêncio é o vaso onde bebes a beleza. Tu que aqui passas, é certo, mas indeciso Entre tua vida real e tua vida aparente, Tua vida real, tenebrosa e veemente Como a paixão, o trovão e a morte, Cobre com um véu de sombra e de noite o tesouro Dessa vida interior, que mede Entre tuas almas a melhor e a mais pura, A fim de que nada atente contra seu mistério intenso, E que sua força virgem, integral, se empregue A vestir a ocupação em que as mãos do silêncio Se incumbirão de tecer o tecido da tua alegria.
Papus
Gérard Encausse, conhecido como Papus, nasceu em 13 de julho de 1865 na Espanha, na cidade de La Coruña, filho de pai francês e mãe espanhola. Após haver passado sua juventude em Paris, estudou medicina. Em meados dos anos 1880, e antes mesmo de terminar sua formação, apaixonou-se pelo esoterismo. Devia esse interesse à descoberta das obras de Louis Lucas, químico, alquimista e hermetista. Apaixonado também pelo ocultismo, estudou os livros de Éliphas Lévi. Logo entrou em contato com o diretor da revista teosófica O Lótus Vermelho, Félix Gaboriau, e conheceu Albert Faucheux (Barlet), um ocultista erudito. Em 1887, Papus se afilia à Sociedade Teosófica, fundada alguns anos antes por Helena Blavatsky e pelo Coronel Olcott. A iniciação martinista Admite-se geralmente que Papus e Augustin Chaboseau foram iniciados ao Martinismo através de filiações diferentes. A de Papus vinha de Henri Delaage, ao passo que a de Augustin Chaboseau passava por Amélie de Boisse-Mortemart. Papus dizia de fato que havia sido iniciado por Henri Delaage (1825-1882), quando era apenas um adolescente de 17 anos. Alguns meses antes de sua morte, Papus disse: « Delaage quis transmitir a outro a semente que lhe havia sido confiada e da qual ele não podia colher nenhum fruto. Pobre legado constituído por duas letras e alguns pontos, resumo dessa doutrina da iniciação e da trindade que havia iluminado todas as obras de Delaage. » Papus apresentava Henri Delaage como tendo sido iniciado por Jean-Antoine Chaptal (1756-1832), seu avô, o qual teria sido discípulo de Saint-Martin. Ignora-se se o célebre químico, conselheiro de Estado, ministro consular e do Império realmente teve relações com Louis-Claude de Saint-Martin. Sabe-se contudo que ele havia sido iniciado na franco-maçonaria por volta de 1789 na Loja „Perfeita União”, do Oriente de Montpellier. Henri Delaage jamais alardeou ter sido ele próprio iniciado por seu avô. Além disso, no momento da morte desse último, ele tinha apenas sete anos. Assim, a tradição diz que entre Henri Delaage e Jean-Antoine Chaptal existiu um iniciador cujo nome não chegou até nós. Contudo, é provável que tenha sido seu próprio pai, Clément Marie-Joseph Delaage (1785-1861). De fato, como mostra a correspondência trocada entre este e Charles Geilles entre março e agosto de 1811, ele conhecia bastante bem o pensamento de Louis-Claude de Saint-Martin a ponto de dar ao seu interlocutor conselhos de leitura quanto às obras do Filósofo Desconhecido. É na ocasião de seu encontro com Augustin Chaboseau que Papus revelará sua qualidade de iniciado martinista. Em 1888, os dois decidem estabelecer em comum a iniciação de que são depositários e começam a transmitir essa iniciação a alguns amigos. Dessa forma eles estabelecem as bases da Ordem Martinista. Ainda que a Ordem não disponha naquele momento de nenhuma estrutura, o número de iniciados aumenta rapidamente. Papus ainda não terminou seus estudos e se prepara para o serviço militar. Será apenas em 7 de julho de 1892 que ele defenderá com sucesso a sua tese de doutor em medicina sobre as analogias histológicas entre os órgãos. Todavia, que atividade! Já fundou a Escola Hermética, organizou a Ordem Martinista, criou as revistas L’Initiation e O Véu de Isis e já escreveu o Tratado Elementar de Ciências Ocultas (com 23 anos) e O Tarô dos Ciganos (com 24 anos). Para assianr as suas primeiras obras, adotou a alcunha de « Papus ». Esse nome designa o gênio da medicina – um dos sete gênios da primeira hora do Nuctaméron, um texto atribuído a Apolônio de Tiana. Ruptura com a Sociedade Teosófica Em 1890, Papus rompe com a Sociedade Teosófica, cujas concepções esotéricas ele julga demasiado orientalistas. Ele não partilha a posição dos teósofos que reivindicam a superioridade absoluta da tradição oriental. Por sua atitude, ele toma o partido de vários de seus amigos da Fraternidade Hermética de Luxor. Na França, era Charles Barlet (Albert Faucheux, 1838-1921) quem dirigia essa Ordem e a maioria dos membros fundadores da Ordem Martinista foram membros da Fraternidade Hermética de Luxor. Papus deseja restaurar o esoterismo ocidental dando-lhe um aspecto mais científico. Ele quer reativar uma Ordem enraizada no esoterismo cristão para preservar a perenidade da tradição ocidental e faz do Martinismo o crisol dessa transmutação. Após deixar a Sociedade Teosófica, dá uma estrutura mais funcional ao Martinismo. Com Augustin Chaboseau, reúne alguns amigos, como Stanislas de Guaita, Lucien Chamuel, Charles Barlet, Maurice Barrès, Joséphin Péladan, Victor-Émile Michelet e alguns outros. Nasce dessa forma a Ordem Martinista. Papus é eleito Grande Mestre em julho de 1891 e, graças aos seus talentos de organizador, a Ordem toma rapidamente um impulso considerável. L’Initiation, revista mensal, se torna o seu órgão oficial e lojas são criadas esparsamente pela França, depois na Europa e por fim pelo mundo. Os primórdios da Ordem Martinista Para sustentar seu esforço de renovação do esoterismo ocidental, Papus funda a Escola Superior Livre de Ciências Herméticas, onde ministra cursos e dá conferências. Torna-se também um dos membros mais importantes da Ordem Cabalística da Rosacruz, fundada por seus amigos Stanislas de Guaita e Joséphin Péladan. Essa organização se torna então o círculo interno da Ordem Martinista. Em 1908, Papus organiza uma grande convenção espiritualista internacional em Paris, manifestação que reúne mais do que trinta organizações. Em suas múltiplas alianças, Papus por vezes sai do sério por conta de veemência de seus colaboradores. Assim ocorreu com a Igreja Gnóstica. Diz-se muitas vezes que esta igreja, fundada por Jules Doisnel por volta de 1889, após uma experiência espírita, se tornou „a Igreja oficial” dos martinistas. Se por um lado estabelece laços com muitas organizações, como os Iluminados, os Babistas, o Rito Escocês, a misteriosa Fraternitas Thesauri Lucis (F.T.L.) ou Memphis Misraïm, por outro lado a Ordem Martinista não deixa de conservar sua independência. Papus havia conseguido perfeitamente conferir ao Martinismo uma estrutura internacional; contudo, nem sequer havia conseguido religá-lo ao sistema filosófico que constituia sua fonte – aquele outrora elaborado por Louis-Claude de Saint-Martin de acordo com a doutrina de Martinès de Pasqually. A causa desse insucesso repousa indubitavelmente sobre a herança demasiado fragmentária que lhe fora legada por seus predecessores, o « pobre legado
Martinès de Pasqually
« Sou apenas um falível instrumento do qual Deus quis, por mais indigno que eu seja, se servir para lembrar aos homens, meus semelhantes, o seu primeiro estado de construtores, a fim de lhes fazer ver de verdade que eles são de fato homens-Deus, sendo criados à imagem e à semelhança desse Ser todo-poderoso. » Martinès de Pasqually nasceu em Grenoble por volta de 1710, filho de um pai de origem espanhola e de uma mãe francesa. Militar durante alguns anos, tendo a patente de lugar-tenente, serviu em 1737 na companhia do regimento de Edimbourg-Dragons. Em 1740, suas atividades militares o conduziram à Córsega, onde participou da intervenção francesa sob comando do Marquês de Millebois. Em 1747, a serviço da Espanha, combate na Itália. Ao que parece, ele abandonou o exército alguns anos mais tarde. Podemos situar os primeiros indícios de suas atividades esotéricas a partir de 1754, época em que frequenta lojas maçônicas do sul da França, sobretudo em Avignon e em Marselha. Em Montpellier, ele teria fundado o capítulo dos Soberanos Juízes Escoceses. Alguns anos mais tarde, em 1760, ele se apresenta à Loja Saint Jean das tr~es lojas reunidas de Toulouse. É lá que ele expõe seu projeto de restauração da Franco-Maçonaria. De fato, ele julgava a Maçonaria de sua época « apócrifa », ou seja, desviada de seu objetivo real, e se propõe a devolver-lhe sua pureza primitiva. Seu projeto, considerado estranho demais, é rejeitado, e Martinès de Pasqually é obrigado a deixar a loja. Martinès parece receber sua qualidade maçônica de seu pai. Este havia recebido em 1738 uma patente maçônica stuartista transmissível a seu filho. Contudo, é preciso reconhecer que a sociedade que Martinès de Pasqually se propunha a estabelecer não advém da Maçonaria inglesa. Ele próprio a chama pelo nome de Ordem dos Cavaleiros Maçons Élus-Cohens do Universo. Trata-se daquilo a que se chama um sistema de « altos graus maçônicos », ou seja, um conjunto de graus superiores aos três graus tradicionais da Franco-Maçonaria (aprendiz, companheiro e mestre). Lembramos que os altos graus aparecem na Maçonaria entre os anos 1740 e 1773. É na loja do regimento de Foix que o projeto de Martinès se cumpre. É lá que ele vai recrutar aqueles que serão os seus primeiros discípulos, o lugar-tenente coronel de Grainville e o capitão dos granadeiros Champoléon. Em Foix, ele funda um capítulo, o Templo dos Élus-Cohens. Porém, é em Bordeaux que efetivamente começam as atividades da Ordem dos Élus-Cohens. Martinès se instala naquela cidade em abril de 1762 para lá estabelecer o centro geral de suas atividades. O que caracteriza a Ordem fundada por Martinès de Pasqually é o fato que ela é baseada numa doutrina original e que utiliza ritos específicos. Essa doutrina é a da Reintegração. Ela declara que o homem perdeu suas qualidades divinas primitivas e que ele deve trabalhar para a sua reconquista por meio de uma ascese e de ritos particulares. Essa filosofia está escrita em detalhes num longo texto de instrução: o Tratado da Reintegração dos Seres. A doutrina de Martinès não é uma simples especulação; ela conduz a uma prática operativa que se apóia sobre uma magia divina, uma teurgia, que parece ter suas raízes na magia angélica da Renascença, a dos cabalistas cristãos. Entretanto, Martinès lhe atribui fins mais específicos. Nas práticas dos Élus-Cohens, ela objetiva permitir aos iniciados reencontrar sua pureza primitiva utilizando a assistência dos anjos graças a uma magia operativa. Ela também tem uma função salvadora sobre a Criação. De fato, na medida em que os Élus-Cohens escalam a graduação da Ordem, do grau de aprendiz ao de réau-croix, eles são paulatinamente levados a colaborar com a restauração do universo à sua pureza primitiva. De acordo com Martinès de Pasqually, é se opondo aos anjos maléficos da origem da Criação por meio de ritos complexos que os iniciados Élus-Cohens cumpririam a missão confiada por Deus ao homem na origem da Criação. Nos anos que se seguem à sua instalação em Bordeaux, a Ordem dos Élus-Cohens se expande na França. Loajs são criadas em várias cidades grandes. Em 1771, Louis-Claude de Saint-Martin sucede o abade Fournié como secretário de Martinès de Pasqually, assistindo-o eficientemente. A expansão da Ordem é todavia detida pela partida de seu fundador. De fato, em 1772, Martinès de Pasqually viaja para Santo Domingo para receber a gerança de um de seus pais falecido. Infelizmente não retorna daquela ilha antilhana, onde morre em 24 de setembro de 1774. Pouco tempo antes de sua morte, ele havia nomeado Cagnet de Lestère, um de seus discípulos do Haiti, para assumir a direção da Ordem. Esse novo Grande Mestre morre em dezembro de 1779. Seu sucessor, Sébastien de Las Casas, volta à França em novembro de 1780 e adormece uma Ordem que, desde a morte de seu fundador, se apagava por si mesma. É preciso dizer que muitos de seus membros se distanciavam de práticas teúrgicas demasiado complexas em favor do hipnotismo. Os discípulos mais fiéis de Martinès de Pasqually não fogem a esse deslumbre. Jean-Baptiste Willermoz e Louis-Claude de Saint-Martin também se inclinaram a essa prática durante algum tempo. Esse dois homens, mesmo abandonando as práticas teúrgicas de seu mestre, perpetuarão todavia a filosofia dos Élus-Cohens. O primeiro, Jean-Baptiste Willermoz, no seio dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa, uma ordem maçônica nascida de uma reforma da Estrita Observância Templária alemã; o segundo, Louis-Claude de Saint-Martin, através de livros cujos leitores serão qualificados de « martinistas ». Cerca de um século mais tarde, alguns deles formarão uma Ordem Martinista.
Louis-Claude de Saint-Martin
A doutrina de Saint-Martin é clara e simples. Sua verdade pode ser percebida facilmente por qualquer homem de boa vontade, pois este místico francês primeiro adquiriu o conhecimento das leis divinas e então moldou sua doutrina de acordo com elas. Através de suas obras, ele desejava difundir a luz do conhecimento que lhe adveio por revelação. Todavia, o horror persistente de um possível abuso por parte de pessoas não preparadas ou de má vontade o levou a se utilizar do véu dos símbolos esotéricos ao abordar as verdades destinadas aos iniciados. A obra de sua vida imortalizou seu nome não apenas em seu próprio país como também ao redor do mundo, pois o resquício de luz que se inicia na própria fonte universal da luz brilha inelutavelmente para toda a humanidade. Introdução « Eu queria fazer o bem, mas não queria fazer barulho, pois senti que o barulho não faz bem e que o bem não faz barulho. » – L.C. de Saint-Martin Na grande família das nações, apesar das diferenças de raça, de nacionalidade e de língua, existe certa tendência, da parte de homens evoluídos espiritualmente, a se aproximarem uns dos outros; os homens com almas de natureza semelhante que buscam a plenitude de sua humanidade e que, não podendo atingi-la unicamente no plano físico, prosseguem essa busca nas regiões superiores onde seu desejo ardente os conduz ao próprio santuário do Deus Vivo. Esses pioneiros se conhecem entre si por sinais visíveis e invisíveis e dão prova de um grau de desenvolvimento e de renascimento em espírito real e definitivamente concluso. Em certos casos de proximidade espiritual particular, o elo que existe entre eles se torna tão estreito que até mesmo aquilo a que chamamos morte deixa de ser um obstáculo. Uma família espiritual unida não existe num determinado momento encarnada, mas cada um de seus membros descobre cedo ou tarde os traços dessa família e as benesses que dela provêm pelos tesouros espirituais secretos que foram acumulados pelos que lhe precederam. Cada qual, na senda do desenvolvimento de si, tende ao conhecimento do seu próprio Eu e se esforça para despertar o transcendental – a imagem eterna encerrada em si – a fim de tornar perceptível e compreensível o texto do Divino pensamento depositado em si e a fim de obter a mais plena e a mais pura manifestação deste. Eis os que diz a respeito o Evangelho de Mateus: « Busca e encontrarás… Pergunta e te será respondido. » Quem quer que deseje ardentemente e que busque com perseverança e ardor para alcançar o Ideal Divino com todas as forças de sua alma certamente há de encontrar ajuda e apoio. Na verdade, aquele que é corajoso conquista o Reino dos Céus suplantando a oposição dos maus instintos da natureza, rejeitando todo compromisso e tendendo eternamente a se elevar ao Reino da Luz e da Liberdade. Louis-Claude de Saint-Martin era um cavaleiro assim, impulsionado em busca da luz. Ele foi reconhecido como um dos maiores místicos da França, mas a obra de sua vida não figura apenas naquilo que escreveu. Toda a sua existência foi devotada à ideia de um grande renascimento da humanidade e ele provocou um profundo eco não unicamente na França, mas também em toda a Europa Ocidental e Oriental. Encontramos traços de sua influência nas obras criativas de nossos poetas proféticos, como particularmente no polonês Adam Mickiewicz. Para poder compreender Saint-Martin devemos nos aprofundar em sua obra, percorrer sua vasta correspondência e estudar sua biografia (publicada por Papus, Matter, Franck e outros), apresentada por muitos artistas e críticos muitas vezes de forma parcial e errônea. Um observador refinado não teria nenhuma dificuldade em descobrir o Saint-Martin verdadeiro – uma imagem dele que não seja deformada. Seu Eu real passou por diversas fases de desenvolvimento; discípulo e adepto da ciência esotérica de Martinès de Pasqually, que era um humanista, teurgo e místico, vemos os degraus da escada que ele subiu pelo próprio título de suas obras sucessivas: O Homem de Desejo, O Novo Homem, O Ministério do Homem-Espírito. Os traços principais do caráter de Saint-Martin eram uma atividade viril e vigorosa, uma sensibilidade fina e feminina e um refinamento inato. Sua atitude intrépida e inabalável ao se erguer em defesa dos ideais que professava, sustentados virtualmente por seu modo de vida, o faziam muitas vezes parecer duro, mesmo para com seus amigos, mas ele era o primeiro a sofrer com isso. Era preciso que certa ternura brotando do coração se incumbisse de aliviar a pena que ele não podia evitar de infligir aos outros. Seu misticismo não era abstrato e desconectado da vida. Ele se esforçava para penetrar no seio da mesma Divindade e, com a luz do conhecimento, iluminar todos os aspectos da vida. Ele havia descoberto o segredo da felicidade na Terra, o equilíbrio perfeito entre a lei e o dever, a harmonia entre os ideais professados e a vida de todos os dias. Ele considerava que a coexistência dos diferentes povos deveria se basear na fraternidade, pois esta conduz para a igualdade espiritual de todos e para a liberdade que é a expressão natural dos princípios de fraternidade. A doutrina de Saint-Martin é clara e simples. Sua verdade pode ser percebida facilmente por qualquer homem de boa vontade, pois este místico francês primeiro adquiriu o conhecimento das leis divinas e então moldou sua doutrina de acordo com elas. Através de suas obras, ele desejava difundir a luz do conhecimento que lhe adveio por revelação. Todavia, o horror persistente de um possível abuso por parte de pessoas não preparadas ou de má vontade o levou a se utilizar do véu dos símbolos esotéricos ao abordar as verdades destinadas aos iniciados. A obra de sua vida imortalizou seu nome não apenas em seu próprio país como também ao redor do mundo, pois o resquício de luz que se inicia na própria fonte universal da luz brilha inelutavelmente para toda a humanidade. 2. Os anos de juventude Saint-Martin nasceu em Amboise no dia 18 de janeiro
Jacob Boehme
« Se eu amassar uma pedra ou um torrão de terra e os contemplar, neles eu reconheço o superior e o inferior – vejo até mesmo o mundo inteiro. » Jacob Boehme, Mysterium Magnum Jacob Boehme (1575-1624) é uma personagem fora do comum. Hegel via nele o primeiro filósofo alemão. Exerceu influência sobre Newton, Novalis, Schlegel, Goethe, Fichte e Schelling. Louis-Claude de Saint-Martin, por sua vez, o considerava como seu segundo mestre. Boehme nasceu em 1575 próximo a Görlitz, cidade próxima à fronteira que separa a Alemanha da Polônia. Após haver frequentado a escola de sua aldeia, aprendeu o ofício de sapateiro. Desde a infância, sua vida foi pontuada por sinais estranhos, anunciando um destino excepcional. Certo dia, enquanto tomava conta da loja de seu patrão, que se ausentara, um estrangeiro nela entrou. O homem se aproximou dele e o olhou como se penetrasse no fundo de sua alma. « Jacob, tu és pequeno, disse ele, mas serás grande e te tornarás outro homem, de tal forma que serás para o mundo algo assombroso. Portanto, sê piedoso, teme a Deus, reverencia a Sua palavra e sobretudo lê com atenção as Santas Escrituras, nas quais encontrarás consolo e instruções, pois sofrerás muito; suportarás a pobreza, a miséria e perseguições. Porém, sê corajoso e perseverante, pois Deus te ama e te favorecerá. » Aquele que será apelidado de « o Filósofo Teutônico » se torna mestre-sapateiro. Em 1599, casa-se com Catharina Kuntzchmann, que lhe dará quatro filhos. Une-se a Martin Möller, pastor de sua aldeia, e participa das atividades de um pequeno grupo de buscadores que aquele religioso reúne ao redor de si para estudar as ideias de Paracelso e de Valentin Weigel. Nesse grupo, por vezes apresentado como um círculo rosacruz, Boehme receberá os gérmens de uma formação da qual saberá extrair os frutos por suas próprias meditações. « Jacob Boehme é um bom marido, excelente pai e se aplica tão laboriosa e honestamente à sua profissão que dez anos mais tarde se torna proprietário de uam casa dentro da cidade », nos conta o seu biógrafo Abraham Franckenberg. A existência do jovem sofre uma reviravolta decisiva em 1600, ano em que vive uma experiência marcante. Ele é tomado pela visão de um vaso de estanho, o que o conduz a um profundo êxtase místico – uma comunhão universal. « Eu vi, diz ele, e compreendi mais em um quarto de hora do que teria aprendido em longos anos nas escolas e universidades ». Alguns anos mais tarde, em 1610, ele escreve A Aurora Nascente ou a raiz da filosofia, da astrologia e da teologia, um texto no qual são relatados os ensinamentos que ele extraiu dessa experiência. Em 1612, o novo pastor de Görlitz, Gregorius Richter, é informado sobre as revelações de que Boehme é beneficiário. A partir dessa época, ele não deixará de perseguir o sapateiro. Apesar desse assédio, Jacob Boehme tenta permanecer sereno, refugiando-se na prece e no recolhimento. Nos anos que se seguem, ele experimenta diversas experiências místicas marcantes que o levam a desafiar os trovões do pastor para tomar novamente a pluma. É assim que, em 1619, ele escreve Três Princípios da Essência Divina, obra na qual tenta compreender os fundamentos do mal debruçando-se sobre a questão da origem e da Criação. Outras obras se seguirão, como Da vida tripla do homem de acordo com o mistério dos três princípios da manifestação divina, escrita no decurso do inverno de 1619. Seus textos circulam sob a forma de manuscritos e seus leitores, muitas vezes personagens ilustres, vêm consultá-lo ou lhe escreve, para obter esclarecimentos sobre os mistérios divinos. É para responder a um de seus amigos, Balthazar Walter, que ele escreve Quarenta questões sobre a origem, a essência, o ser, a natureza e a propriedade da alma e sobre sua eternidade. Dentre as obras mais conhecidas do Filósofo Teutônico está Da assinatura das coisas, texto que data de 1621. Este livro retoma a teoria das « assinaturas », uma noção chave da medicina paracelsiana que diz que os corpos são apenas figuras exteriores cujas características revelam aspectos da alma. Esse livro é provavelmente um dos mais complexos que Jacob Boehme escreveu. Entres seus textos maiores, convém assinalar também o Mysterium Magnum, escrito em 1623. Trata-se de uma obra volumosa que traz como subtítulo: « Comentário explicativo do 1° livro de Moisés ». Seu autor nele se empenha para desvelar o sentido secreto do texto do Gênese. Ele propõe uma reflexão particularmente original sobre o nada – que ele designa pelo nome de Ungrund –, que precede a Criação. Suas observações, próxiams às dos cabalistas a respeito do Aïn-sof, terão grande influência sobre gerações de pensadores, sobretudo Nicolas Berdiaeff. A filosofia de Jacob Boehme repousa sobre uma cosmogonia de grande complexidade, a da « Eterna natureza » e das sete fontes-espírito. Suas teorias sobre a Sofia, a esposa celeste do primeiro Adão, são marcadas por uma grande profundidade. Em suas obras, ele insiste na androginia primitiva do homem apresentando uma teoria que ecoará impressionantemente no esoterismo ocidental. Ele utiliza uma linguagem que bebe em grande parte na alquimia de Paracelso. Seus textos são marcados por uma estranha poesia que Émile Boutroux qualificava de « bruma cintilante ». Graças aos livros que Alexandre Koyré, Pierre Deghaye e Basarab Nicolescu lhe dedicaram, o pensamento daquele a quem se apresenta por vezes como o « príncipe da teosofia cristã » é mais facilmente abordável. Somente após a morte de Jacob Boehme, em 1624, é que suas obras foram publicadas. Johann Georg Gichtel (1638-1710), um de seus discípulos póstumos mais importantes, dedicou-se a fazê-las publicar no final do século XVII. Na mesma época, elas também foram traduzidas em inglês e seu autor passou a contar com muitos discípulos na Inglaterra, como John Pordage, Jane Lead ou William Law. Na França, é graças às traduções de Louis-Claude de Saint-Martin que o pensamento de Jacob Boehme é descoberto. As transcrições de Saint-Martin são por vezes consideradas mais claras que os textos originais, e foi muitas vezes lendo-as que os alemães
Harvey Spencer Lewis
Harvey Spencer Lewis (1883-1939) desempenhou um papel importante na história do Rosacrucianismo restaurando essa antiga fraternidade a partir de 1919. Seu engajamento no Martinismo é menos conhecido, embora ele tenha também contribuído para o renascimento da Ordem Martinista antes da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, essa Ordem tentava recobrar a unidade que ela havia perdido após a morte de Papus. Conforme nos dá testemunho sua correspondência com Mac Blain Thompson e Napoléon Hauenstein, Harvey Spencer Lewis se interessava pelo Martinismo pelo menos desde 1921. Porém, é apenas em 1934 que ele estabelecerá uma relação direta com os dirigentes europeus do Martinismo. Esse encontro ocorreu em Bruxelas em agosto de 1934, por ocasião da inauguração das atividades da F.U.D.O.S.I. (Federação Universal das Ordens e Sociedades Iniciáticas). Essa federação tinha por vocação reagrupar as ordens iniciáticas tradicionais. Juntamente com Émile Dantinne e Victor Blanchard, H. Spencer Lewis se tornou um dos três Imperators dirigentes dessa organização mundial. No seio da F.U.D.O.S.I., o Martinismo era representado por Victor Blanchard, Grande Mestre da Ordem Martinista e Sinárquica, que tentava na altura projetar o Martinismo apoiando-se numa organização internacional. Em 16 de agosto de 1934, ele iniciou Harvey Spencer Lewis no primeiro grau da Ordem. Ele receberia os graus seguintes em 18 de agosto, em Bruxelas, e em 21 de agosto em Lausanne. Logo Victor Blanchard confiaria a H. Spencer Lewis o cuidado de dirigir as atividades da Ordem nos Estados Unidos. Em 26 de março de 1937, H. Spencer Lewis recebe três Cartas Constitutivas assinadas por Victor Blanchard. A primeira lhe confiava a função de Grande Inspetor para as três Américas, a segunda a de Soberano Legado do Grande Mestre, autorizando-lhe a criar em San Jose o Templo Louis-Claude de Saint-Martin e a terceira o designava Soberano Legado do Grande Mestre para os Estados Unidos da América. Spencer Lewis dedicou-se a apresentar o Martinismo aos rosacruzes publicando noRosicrucian Digestum artigo intitulado « O que é o Martinismo? Uma resposta oficial a essa questão importante e interessante » (outubro de 1937). A Ordem tinha dificuldades em se organizar sob a presidência de Victor Blanchard, que rapidamente se mostrou incapaz de assumir suas responsabilidades. Cansados dessa situação, os martinistas da F.U.D.O.S.I. decidiram convocar Augustin Chaboseau para substituí-lo. A partir de julho de 1939, é portanto a Tradicional Ordem Martinista que assume as rédeas do Martinismo, ficando o conjunto dos membros da F.U.D.O.S.I. sob a direção da TOM. Harvey Spencer Lewis não teve a oportunidade de se associar a essa renovação, pois faleceu alguns dias mais tarde, em 2 de agosto de 1939. Seu filho Ralph M. Lewis se encarregou de realizar essa missão. É preciso todavia destacar que, apesar disso, o papel de H. Spencer no processo de renovação do Martinismo foi crucial na medida em que colaborou estreitamente com seus responsáveis europeus – Victor Blanchard, Georges Lagrèze e Augustin Chaboseau – para a restauração do Martinismo moderno.
Augustin Chaboseau
Introdução Ao se evocar a Ordem Martinista, um nome vem imediatamente à mente – o de Papus. Esquece-se muitas vezes que esse movimento espiritualista reuniu brilhantes personalidades sem as quais essa Ordem provavelmente não teria conhecido o sucesso que tem. Se por um lado alguns colaboradores de Papus, como Stanislas de Guaita, F.-Ch. Barlet (Albert Faucheux) e Sédir (Yvon Leloup) nos são bem conhecidos, por outro lado outros como Victor-Emile Michelet e Augustin Chaboseau permaneceram na sombra. Victor-Emile Michelet nos é mais conhecido depois que Richard E. Knowles consagrou-lhe um livro. Augistin Chaboseau, por sua vez, permanece desconhecido pelos biógrafos. Este Servidor Desconhecido esconde todavia uma personagem de múltiplos talentos. Se é verdade que Papus foi o organizador do Martinismo moderno, esquece-se muitas vezes que ele teve um associado, Augustin Chaboseau, e que devemos considerar esse último como co-fundador da Ordem Martinista. É chegada a hora, portanto, de conhecermos melhor essa personalidade cativante, tanto por sua contribuição para a perenidade de um Martinismo tradicional quanto por sua qualidade de humanista. A descoberta recente dos arquivos da família de Augustin Chaboseau nos permitiu redigir essa biografia. O essencial das informações contidas nesse artigo é extraída de textos escritos por Rosalie Louise Chaboseau algum tempo após a morte de seu marido. Utilizaremos também um conjunto de notas manuscritas que Augustin Chaboseau havia cuidadosamente coletado em pequenos feixes e que estavam destinadas a compor seu diário sob o título de: Meu livro de bordo, sessenta anos de navegação literária e política. A Família Chaboseau Pierre-Augustin Chaboseau nasceu em Versalhes em 17 de junho de 1868. Seu prenome duplo nos explica suas origens. O primeiro nome, Pierre, ele herdou de uma longa tradição familiar em vigor desde o século XIII. De fato, por volta de 1220 o duque Pierre I teria sido padrinho de um ancestral da família Chaboseau. Desde aquela época exige a tradição que, na família, o primogênito de cada geração receba o nome de Pierre. A família Chaboseau (outrora Chaboseau de la Chabossière) tem suas raízes na nobreza francesa e Pierre-Augustin tinha a possibilidade de usar, após o seu nome, os seguintes títulos: Marquês de la Chaboissière e de Langlermine, conde de Kercabus, Kerpoisson, de la Morinière, Trévenégat, la Bélinière, la Pommeraye; barão de la Borde, L’Atrie, le Poreau, Rivedoux. Os Chaboseau também eram senhores de la Fuye, Procé, Bodouët, la Guionnière, la Tillerolle, Saint-André, Kerlain, Kerfressou, Kernachanan, terras nobres de Poitou, de Vendée, de Maine e Loire, Mayenne, Sarthe, da Bretanha, Loire inferior, Ille e Vilaine, Orne e Côtes du Nord. Durante a Revolução Francesa, o titular desses títulos os queimou sobre o « altar da razão » e foi arruinado. Augustin jamais utilizou o prenome de Pierre para assinar suas obras, fossem elas poéticas, literárias, científicas ou históricas. Utilizava apenas Augustin. Seu segundo prenome, Augustin, foi-lhe dado por sua mãe, Elisa-Célestine (1847-1920) em memória de seu pai, Antoine-Augustin Lepage, a quem ela devotava um verdadeiro culto. Auguste-Marie Chaboseau (1835-1898), pai de Augustin, era militar e sua carreira exigia frequentes mudanças. Essas viagens jamais comprometeram os estudos do jovem Augustin. É preciso dizer que ele manifestou rapidamente uma aptidão fora do comum para o estudo. O trabalho do liceu não podia sequer saciar seu apetite intelectual. Ele devorava todos os livros das bibliotecas escolares e aqueles que parentes e amigos lhe punham à disposição. A juventude Com a idade de 14 anos, já havia lido a Bíblia na íntegra. Essa leitura perturbou o jovem adolescente a ponto de servir de ponto de partida daquilo que ao longo de toda a sua vida foi uma preocupação maior: ler, estudar e comparar os textos sagrados de todas as religiões. Consagrou as férias da páscoa do ano seguinte para ler o Alcorão. De volta ao liceu de Mans, foi a vez de ler e reler o dicionário de ciências filosóficas de Adolphe Frank, tendo o cuidado de tomar muitas notas. Depois, é o dicionário das literaturas, redigido sob a direção de Vapereau, que retém sua atenção. Ele diz em seu diário: « aquilo que aprendi graças a Franck e Vapereau durante esse ano escolar 1882-1883 é a base daquilo a que chamo de minha erudição ». No ano seguinte, mergulha na Imitação de Cristo. Seria o aluno Augustin Chaboseau um superdotado? É difícil afirmar. Em todo caso, ele possui aptidões incomuns em determinadas matérias. « Os franceses, dizia Augustin Chaboseau, concebem que se tenha uma vocação inelutável para a música, o desenho, a pintura… mas ninguém jamais admitiu que se tivesse também pelo poliglotismo, uma predestinação análoga, mas que contudo… Antes de ingressar no liceu, minha mãe havia começado minha iniciação ao inglês e meu pai havia feito o mesmo quanto ao alemão, e confiaram-me a um bacharel recém-formado para que ele me ensinasse aquilo que, em matéria de latim, correspondia ao programa do oitavo ano. Excelente preparação, mas insuficiente para explicar que, desde minha chegada ao sétimo, eu fosse o melhor aluno de latim e de alemão, e que desde a minha passagem pelo sexto o melhor em grego. Tudo isso sem o menor sofrimento e posso até dizer que sem o menor esforço. E o mesmo posso dizer do italiano, do provençal, do catalão, do espanhol, do português e, por outro lado, do flamengo e do holandês, nos cinco ou seis anos que se seguiram. Quando eu ia para Pau, foram-me suficientes apenas algumas semanas para que eu me familiarizasse com o bearnês e depois, naturalmente, com o gascão. Após o ensino secundário, mergulhei até o pescoço no sânscrito. Um russo ensinou-me sua língua em alguns meses e por conseguinte não tardei muito para traduzir tudo o que eu quisesse do polonês e do servo-croata ». Aprendeu mais tarde o bretão, o esperanto e lia também o sânscrito e o pali. A esse dom para as línguas convém acrescentar aquele que vinha de seu pai, o da música. Desde a idade de seis anos ele tomava aulas de piano e ao longo de toda a sua vida conservou uma paixão