Augustin Chaboseau

  1. Introdução

Ao se evocar a Ordem Martinista, um nome vem imediatamente à mente – o de Papus. Esquece-se muitas vezes que esse movimento espiritualista reuniu brilhantes personalidades sem as quais essa Ordem provavelmente não teria conhecido o sucesso que tem. Se por um lado alguns colaboradores de Papus, como Stanislas de Guaita, F.-Ch. Barlet (Albert Faucheux) e Sédir (Yvon Leloup) nos são bem conhecidos, por outro lado outros como Victor-Emile Michelet e Augustin Chaboseau permaneceram na sombra. Victor-Emile Michelet nos é mais conhecido depois que Richard E. Knowles consagrou-lhe um livro. Augistin Chaboseau, por sua vez, permanece desconhecido pelos biógrafos. Este Servidor Desconhecido esconde todavia uma personagem de múltiplos talentos. Se é verdade que Papus foi o organizador do Martinismo moderno, esquece-se muitas vezes que ele teve um associado, Augustin Chaboseau, e que devemos considerar esse último como co-fundador da Ordem Martinista. É chegada a hora, portanto, de conhecermos melhor essa personalidade cativante, tanto por sua contribuição para a perenidade de um Martinismo tradicional quanto por sua qualidade de humanista.

A descoberta recente dos arquivos da família de Augustin Chaboseau nos permitiu redigir essa biografia. O essencial das informações contidas nesse artigo é extraída de textos escritos por Rosalie Louise Chaboseau algum tempo após a morte de seu marido. Utilizaremos também um conjunto de notas manuscritas que Augustin Chaboseau havia cuidadosamente coletado em pequenos feixes e que estavam destinadas a compor seu diário sob o título de: Meu livro de bordo, sessenta anos de navegação literária e política.

  1. A Família Chaboseau

Pierre-Augustin Chaboseau nasceu em Versalhes em 17 de junho de 1868. Seu prenome duplo nos explica suas origens. O primeiro nome, Pierre, ele herdou de uma longa tradição familiar em vigor desde o século XIII. De fato, por volta de 1220 o duque Pierre I teria sido padrinho de um ancestral da família Chaboseau. Desde aquela época exige a tradição que, na família, o primogênito de cada geração receba o nome de Pierre. A família Chaboseau (outrora Chaboseau de la Chabossière) tem suas raízes na nobreza francesa e Pierre-Augustin tinha a possibilidade de usar, após o seu nome, os seguintes títulos: Marquês de la Chaboissière e de Langlermine, conde de Kercabus, Kerpoisson, de la Morinière, Trévenégat, la Bélinière, la Pommeraye; barão de la Borde, L’Atrie, le Poreau, Rivedoux.

Os Chaboseau também eram senhores de la Fuye, Procé, Bodouët, la Guionnière, la Tillerolle, Saint-André, Kerlain, Kerfressou, Kernachanan, terras nobres de Poitou, de Vendée, de Maine e Loire, Mayenne, Sarthe, da Bretanha, Loire inferior, Ille e Vilaine, Orne e Côtes du Nord. Durante a Revolução Francesa, o titular desses títulos os queimou sobre o « altar da razão » e foi arruinado.

Augustin jamais utilizou o prenome de Pierre para assinar suas obras, fossem elas poéticas, literárias, científicas ou históricas. Utilizava apenas Augustin. Seu segundo prenome, Augustin, foi-lhe dado por sua mãe, Elisa-Célestine (1847-1920) em memória de seu pai, Antoine-Augustin Lepage, a quem ela devotava um verdadeiro culto. Auguste-Marie Chaboseau (1835-1898), pai de Augustin, era militar e sua carreira exigia frequentes mudanças. Essas viagens jamais comprometeram os estudos do jovem Augustin. É preciso dizer que ele manifestou rapidamente uma aptidão fora do comum para o estudo. O trabalho do liceu não podia sequer saciar seu apetite intelectual. Ele devorava todos os livros das bibliotecas escolares e aqueles que parentes e amigos lhe punham à disposição.

  1. A juventude

Com a idade de 14 anos, já havia lido a Bíblia na íntegra. Essa leitura perturbou o jovem adolescente a ponto de servir de ponto de partida daquilo que ao longo de toda a sua vida foi uma preocupação maior: ler, estudar e comparar os textos sagrados de todas as religiões. Consagrou as férias da páscoa do ano seguinte para ler o Alcorão. De volta ao liceu de Mans, foi a vez de ler e reler o dicionário de ciências filosóficas de Adolphe Frank, tendo o cuidado de tomar muitas notas. Depois, é o dicionário das literaturas, redigido sob a direção de Vapereau, que retém sua atenção. Ele diz em seu diário: « aquilo que aprendi graças a Franck e Vapereau durante esse ano escolar 1882-1883 é a base daquilo a que chamo de minha erudição ». No ano seguinte, mergulha na Imitação de Cristo. Seria o aluno Augustin Chaboseau um superdotado? É difícil afirmar. Em todo caso, ele possui aptidões incomuns em determinadas matérias.

« Os franceses, dizia Augustin Chaboseau, concebem que se tenha uma vocação inelutável para a música, o desenho, a pintura… mas ninguém jamais admitiu que se tivesse também pelo poliglotismo, uma predestinação análoga, mas que contudo… Antes de ingressar no liceu, minha mãe havia começado minha iniciação ao inglês e meu pai havia feito o mesmo quanto ao alemão, e confiaram-me a um bacharel recém-formado para que ele me ensinasse aquilo que, em matéria de latim, correspondia ao programa do oitavo ano. Excelente preparação, mas insuficiente para explicar que, desde minha chegada ao sétimo, eu fosse o melhor aluno de latim e de alemão, e que desde a minha passagem pelo sexto o melhor em grego. Tudo isso sem o menor sofrimento e posso até dizer que sem o menor esforço. E o mesmo posso dizer do italiano, do provençal, do catalão, do espanhol, do português e, por outro lado, do flamengo e do holandês, nos cinco ou seis anos que se seguiram. Quando eu ia para Pau, foram-me suficientes apenas algumas semanas para que eu me familiarizasse com o bearnês e depois, naturalmente, com o gascão. Após o ensino secundário, mergulhei até o pescoço no sânscrito. Um russo ensinou-me sua língua em alguns meses e por conseguinte não tardei muito para traduzir tudo o que eu quisesse do polonês e do servo-croata ».

Aprendeu mais tarde o bretão, o esperanto e lia também o sânscrito e o pali. A esse dom para as línguas convém acrescentar aquele que vinha de seu pai, o da música. Desde a idade de seis anos ele tomava aulas de piano e ao longo de toda a sua vida conservou uma paixão pela música e pelo canto. A partida de seu pai para outra guarnição seria a oportunidade de encontros que lhe abririam novos campos de investigação. Apesar dessa partida, o pai de Augustin queria que seu filho terminasse seu ano escolar no liceu de Mans, e assim sendo confiou o menino ao seu amigo Jean Labrousse, que também era oficial. Os Labrousse eram espíritas convictos e muito ligados a Pierre-Gaëtan Leymarie, redator-chefe e diretor da Revista Espírita. Esse encontro abriria a mente do jovem Chaboseau para os mundos invisíveis e contribuiria para nela depositar o primeiro gérmen de suas inquietações místicas.

4. Pierre-Gaëtan Leymarie e o espiritismo

É necessário determo-nos por alguns instantes sobre Pierre-Gaëtan Leymarie (1817-1901). Ele foi um dos mais ardentes discípulos de Allan Kardec, o fundador do espiritismo. Se por um lado Pierre-Gaëtan Leymarie era um espírita muito ativo, por outro era também um humanista e oferecia as colunas de sua revista a todos aqueles que defendessem « uma causa espiritualista ou de ordem essencialmente humanitária e moral ». Ele foi um militante da paz e um dos pioneiros em favor da emancipação da mulher. Leymarie compreendeu rapidamente que seus contemporâneos não estavam sequer preparados para aprender as novas ciências psíquicas. Da mesma forma, ele acreditava que muitos esforços eram necessários para desenvolver a cultura geral dos franceses. Nesse intento, ele assistiu, junto com sua esposa, seu amigo Jean Macé na fundação da Liga da Instrução.

Em 1889, Pierre-Gaëtan Leymarie organizou o primeiro congresso espírita internacional em solo francês. Ele não apenas foi um homem devotado e sensível como também desinteressado e modesto. Exerceu certa influência sobre muitas personalidades. Morreu em 1901 e seu túmulo no cemitério Père-Lachaise traz a inscrição: « Morrer é deixar a sombra para entrar na luz ». Os Labrousse falavam muito de Leymarie para seu jovem amigo Augustin, mas é apenas um pouco mais tarde, em Paris, que ele o encontraria. Pierre-Gaëtan Leymarie exercerá uma profunda influência sobre Augustin Chaboseau. Como ele, Augustin se apaixonará pela educação e dedicará muito de seu tempo à Liga da Instrução; como ele, militará pelos direitos da mulher; como ele, não se contentará com belas teorias elaboradas na sombra dos confortáveis salões dos intelectuais. É a prática que o interessará essencialmente.

5. O Museu Guimet

Voltemos a Augustin Chaboseau. Ele tem 18 anos e tem de lidar com o difícil problema da orientação. Augustin tinha diversas vocações. A literatura o atraía muito e a música também o tentava. Por fim, se decidirá pela medicina. Apesar disso, seus talentos de escritor lhe serão muito úteis para financiar seus estudos. Em agosto de 1886 ele publica uma novela, O Vigário de Bosdarros em O Estafeta. Encorajado por esse primeiro sucesso, publica uma segunda novela, Lucrécia, no mesmo mês. Assim começa uma longa série que o levarrá a colaborar com muitos periódicos e revistas. Para prosseguir seus estudos de medicina, é preciso que deixe sua família e se instale em Paris. A vida parisiense abre-lhe novos horizontes. Em Paris, um novo museu consagrado ao estudo das religiões e das civilizações do Oriente acaba de abrir suas portas. De fato, Emile Guimet acaba de trazer a Paris uma magnífica coleção de objetos de culto e de livros sagrados do Oriente, assim como uma rica biblioteca. Augustin rapidamente se torna um visitador assíduo desse museu, a tal ponto que Léon Milloué, o conservador e bibliotecário, lhe tomará como adjunto. É nessa época que nasce sua grande paixão pelo Budismo.

6. A iniciação martinista

Seus pais, inquietos por deixar só o jovem estudante em Paris, haviam-lhe recomendado que fosse visitar uma parente, a marquesa Amélie de Boisse-Mortemart. Era uma mulher muito graciosa e distinta. Viúva havia alguns anos e arruinada por seu marido, vivia dando aulas de piano, de canto e de aquarela a uma clientela mundana e burguesa do bairro de Ternes. Artista de múltiplos dons, escrevia também alguns artigos em diversas revistas. Desde seu encontro estabeleceu-se uma grande cumplicidade entre Amélie e o jovem Augustin: inicialmente no plano literário (com seu próprio nome ela fará publicar um artigo escrito pelo jovem Augustin no A Arte e a Moda, em março de 1891).

Contudo, serão suas afinidades místicas que os aproximarão mais. Amélie se interessava muito pelo espiritismo. « Ela era mística, ultramística. Nenhuma ciência oculta tinha segredos para ele. É verdade que a esse respeito ela havia sido moldada por Adolphe Desbarolles. O que a fascinava mais do que tudo era o Martinismo ». Se por um lado o jovem Augustin conhecia o espiritismo, por outro ele era completamente ignorante quanto aquilo a que se referia o Martinismo, de forma que Amélie resolveu educá-lo ela mesma a respeito. « Ela me emprestou livros de Elme Caro, de Jacques Matter e de Adolphe Franck. Depois, os do próprio Saint-Martin. Logo, ela não hesitou em me iniciar, assim como ela havia sido iniciada por Adolphe Desbarolles, discípulo direto de Henri de Latouche ».

Assim, em 1886, Augustin Chaboseau se tornava « S.I. » e ganhava um lugar na linhagem de iniciados martinistas que ascendia a Louis-Claude de Saint-Martin. Entretanto, o Martinismo não tinha naquela altura nenhuma estrutura, não estava organizado e não havia « Ordem Martinista » no sentido exato do termo. Mais uma vez, haveria de ser um encontro providencial que mudaria esta situação.

 

7. O encontro com Papus

De fato, depois de algum tempo Jean Labrousse vem se instalar em Paris e, naturalmente reencontrando Augustin Chaboseau, o apresenta ao seu amigo Gaëtan Leymarie. Este o coloca em contato com o meio místico e esotérico parisiense e oferece-lhe a oportunidade de colaborar com a Revista Espírita. Em 15 de dezembro de 1889, Augustin publica um relatório sobre os ofícios budistas na Exposição Universal de Paris naquela revista. Em Paris, Augustin Chaboseau estabelece amizade com muitas personalidades: os irmãos Cros, Villiers de l’Isle-Adam (que se torna para ele um amigo íntimo), Emile Bourdelle… etc. A conselho de Leymarie, o jovem graduado em medicina se apresenta ao Hospital da Caridade e conhece Gérard Encausse, um jovem interno que já começava a publicar sob o pseudônimo de Papus.

Assim nascia uma grande amizade. Suas longas discussões sobre o esoterismo e o misticismo lhes revelam que eram ambos martinistas, levando-os a decidir pelo estabelecimento de uma Ordem Martinista a fim de transmitir essa iniciação. É dessa forma que devemos considerar Augustin Chaboseau como co-fundador da Ordem Martinista.

Papus e Augustin Chaboseau juntam alguns amigos, Stanislas de Guaita, Lucien Chamuel, F.-Ch. Barlet, Maurice Barrès, Joséphin Péladan, Victor-Emile Michelet (e ainda outros) e dessa forma nasce a Ordem Martinista por volta de 1890. Papus é um organizador. Assim sendo, de forma a garantir o sucesso da iniciativa, ele cria uma estrutura que compreende uma livraria, uma sala de conferências e revistas. Augustin colabora com a revista L’Initiation (de 1889 a 1891) e depois Papus lhe confia o cargo de redator-chefe da revista O Véu de Isis. Torna-se também secretário de redação de Psyché, revista da qual Victor-Emile Michelet fora o redator-chefe. Em 1889 acontece em Paris um congresso espírita internacional do qual Gaëtan Leymarie publicará o relatório em 1890 num grosso volume. Nesse livro, encontramos relatórios de Augustin Chaboseau sobre memórias alemãs, holandesas e italianas.

Nada disso impede Augustin Chaboseau de continuar seus estudos de medicina. Porém, no momento de se ocupar de sua tese de medicina, Augustin é tomado de hesitações. A ideia de ter entre as mãos a vida dos outros lhe traz medo. Assim, ele decide deixar a medicina e se consagra doravante totalmente à literatura. Papus o encoraja nesse sentido, sabendo de sua paixão pela filosofia budista, e o exorta a escrever um livro a esse respeito dizendo-lhe: « Você conhece a fundo as religiões, as filosofias e as artes do Extremo Oriente; seu status no Museu Guimet o coloca em condições de obter documentos facilmente ». Augustin se põe a trabalhar. Não se contentando com traduções dos textos sagrados, aprende sânscrito e trabalha diretamente com os textos antigos. Papus cria no seio do Grupo Independente de Estudos Esotéricos uma seção consagrada ao estudo das ciências orientais sob a direção de Augustin Chaboseau.

Quando em 1891 Papus publica o seu Tratado Metódico de Ciência Oculta (ed. Carré), pede naturalmente a Augustin Chaboseau que lhe prepare, em anexo ao seu livro, um glossário dos principais termos da ciência oculta oriental. Esse apêndice será publicado também à parte numa pequena brochura em formato caderno (8 folhas). Durante os primeiros anos do Martinismo, Augustin Chaboseau será, com Stanislas de Guaita e Chamuel, o mais precioso colaborador de Papus. Em 1891, os Martinistas decidem dar um âmbito mais preciso à Ordem Martinista e em sua edição de agosto de 1891 L’Initiation anuncia uma novidade: a criação de um Conselho Supremo composto de 21 membros que, doravante, dirigirão a Ordem. Augustin Chaboseau integrará esse conselho e terá o número 6 nesse grupo de 21 pessoas. Em julho de 1892, a revista A Pluma propõe aos seus leitores um número especial sobre Magia. Augustin contribuirá com essa revista por meio de um artigo intitulado « A Corrente ». Depois, no final do mesmo ano, ele é nomeado por Stanislas de Guaita como membro da Câmara Diretora da Ordem Cabalística da Rosacruz. Essa Ordem constituía uma ordem interior da Ordem Martinista.

8. Do oratório ao laboratório

Augustin Chaboseau é um homem de ações e gosta de se confrontar com a realidade, e assim o trabalho especulativo nas Lojas não o cativa por muito tempo. « Ele prefere incessantemente o altruísmo ao estudo especulativo. Todo conhecimento, dizia ele, é inútil, vão e egoísta se não puder ser disposto imediatamente para o bem dos outros ». Assim, a partir de 1893 ele deixa de participar das reuniões de loja para divulgar as ideias emancipadoras através da pluma e da palavra. Pede para se licenciar do Conselho Supremo da Ordem Martinista para mergulhar na ação. Papus, em respeito a ele, conservará o seu lugar e seu posto não será jamais ocupado por nenhum outro membro.

Augustin, durante todos esses anos, multiplica seus contatos. Durante os jantares da Revista Moderna trava conhecimento com muitíssimas personalidades das artes e da política. Este será o seu período mais profícuo em termos de publicação de novelas e artigos diversos em revistas e jornais. A lista desses meios é tão extensa que só podemos citar alguns deles aqui: A Família, A Aurora, A Ação, A Pequena República, O Correio da noite, Le Figaro, A Manhã, Le Parisien etc… Para assiná-los, ele fará uso de muitos pseudônimos: Pierre Thorcy, Penndok, Pendoker, Arc’Hoaz, O Gato de Botas, Candiani, Henri Olivier…

Chaboseau tradutor

Sua colaboração com A Pequena República teve uma influência marcante em sua vida. Foi lá que ele conheceu Benoît Malon, de Fournière e todos os líderes do movimento socialista da época. Foi através deles que ele entrou no mundo da política. À partir daquela época suas preocupações mudam e ele se questiona sobre as populações do leste – sérvios, tchecos, poloneses – e sobre a questão dos hindus e zulus. Nessa época também os seus trabalhos de tradução ganham amplitude. Daremos apenas alguns exemplos: ele traduz do russo O Pedido de Casamento, de Anton Tchekhov, e do inglês A Cidade Eterna, de Hall Caine.

Ele participa também dos trabalhos da Liga dos Direitos do Homem e toma parte ativamente da constituição das universidades populares. Entre 1898 e 1907 dá mais de trezentas conferências. Augustin já tinha 34 anos e ainda era solteiro. Parece que ainda não havia encontrado uma companheira à sua altura. É no âmbito de suas atividades na universidade popular do XIV° arrondissement de Paris que ele encontrará aquela que se tornará sua esposa em 17 de dezembro de 1902: Rosalie Louise Napias. Esta jovem é descendente de um fourierista[i] e de uma pupila de Maria Deraisme[ii]. Era uma feminista muito ativa que colaborava com a revista La Fronde sob o pseudônimo de Blanche Galien. Tinha também conseguido ser admitida à faculdade de medicina apesar das resistências. Aluna do Instituto Pasteur, tornou-se a primeira farmacêutica mulher da França.

Augustin Chaboseau possuía aquela rara faculdade de poder gerenciar atividades muito diferentes ao mesmo tempo. Suas atividades foram tão múltiplas que, ao estudarmos sua biografia, é difícil acreditar que ele tenha conseguido fazer tanta coisa simultaneamente. Sua paixão pela organização do trabalho o levou a colaborar com a Bolsa do Trabalho, onde deu cursos de legislação trabalhista. Exerceu também naquele organismo o seu dom linguístico, haja vista que foi tradutor e intérprete de doze línguas vivas. Nada disso o impede de encontrar tempo para traduzir A Legislação Trabalhista nos Estados Unidos, de W.F. Willoughty e complementar esse trabalho com notas e com uma introdução na qual ele salienta a vantagem daquele país quando comparado à França. Sempre sensível à causa da emancipação da mlulher, traduziu A Regulamentação do trabalho das mulheres e das crianças nos Estados Unidos, assim como também um Guia prático de legislação trabalhista e redigiu um Manual de legislação trabalhista que se impôs como obra de referência. Seus estudos sobre o mundo operário o levaram a se inquietar quanto ao êxodo rural, tema a respeito do qual redigiu uma obra.

O comprometimento social

Por volta de 1900 ele abandona seus artigos literários nos cotidianos para se consagrar às revistas científicas. Colaborou com a Revista de Paris, a Revista Científica, a Revista Geral das Ciências etc… Seu estudo sobre a constituição de 1875 com o título Realizações Democráticas lhe valeu as honras da tribuna da Câmara dos Deputados. Conclui um Estudo Histórico sobre a constituinte de 1848, que foi publicado sob os cuidados da Sociedade pela História da Revolução de 1848 (sob a presidência de G. Renard). Depois é Alexandre Lévaïs que lhe confia a redação de seu primeiro volume da História dos Partidos Socialistas na França (de Babeuf à la Commune, 1911).

Suas atividades políticas se tornam mais numerosas. Após seu fracasso nas eleições municipais de 1908, ele se torna, em 1911, secretário do deputado Pierre Goujon. Augustin Chaboseau, apaixonado pela natureza, era um ecologista de vanguarda. Participa com seu amigo Anselme Changeur da Sociedade pela Proteção das Paisagens da França em 1913. A sede social da associação será, além disso, o seu próprio endereço, na rua Jenner, em Paris. Foi membro do Conselho Diretor dessa associação em 1919 e publicou artigos sobre a proteção da natureza entre 1913 e 1934 nos periódicos Le Figaro, Le Temps e Le Bulletin.

9. O secretário de Aristide Briand

A Primeira Guerra Mundial estoura em 1914. Augustin Chaboseau é um homem engajado passionalmente nas relações de seu país e não suportará ser reformado por razões de saúde. Queria defender seu país. Vai se oferecer então para trabalhar voluntariamente na prefeitura do XIII° arrondissement. Rapidamente se dá conta de que esse trabalho rotineiro não corresponde sequer às suas competências e que poderia ser empregrado de maneira mais útil. Esse é o momento em que retoma contato com seu velho amigo Aristide Briand, que se tornou Ministro da Justiça. Este acatará seu pedido e em setembro o emprega como secretário particular. Quando Aristide Briand é nomeado Presidente do Conselho e Ministro das Relações Exteriores, conserva Augustin Chaboseau a seu serviço.

Durante essa colaboração, que durará até 1917, ele representará o ministro em diferentes ocasiões oficiais. No decurso desse período, Augustin Chaboseau cumpre missões secretas junto a políticos dos Bálcãs. Consegue assim a amizade de vários chefes de Estado: o presidente Pachitch e o rei Alexandre da Iugoslávia. Conservou também estreita ligação com o ministro plenipotenciário da Sérvia em Paris, Milenko R. Vesnitch. Este admirava os poemas sérvios que Augustin Chaboseau havia traduzido. O governo sérvio lhe pede que escreva uma obra histórica: Os Sérvios, Croatas e Eslovenos. Na Iugoslávia, esses dois volumes se tornarão livros escolares para a aula de francês. Valeam ao autor o título de Comendador da Ordem de Santo Sava –  condecoração que lhe é concedida pelo Príncipe Regente Alexandre I em dezembro de 1919. Dentre suas inúmeras relações, que não podem ser todas relatadas aqui, assinalamos sua amizade com Roland Bonaparte.

Após alguns anos após a guerra, de 1922 a 1929, ele colaborou no Mercure de France. Assinalamos aqui seu artigo:« Latouche reabilitado » (1919). Henri de Latouche (1785-1851), primeiro editor de Henri Chénier, foi também escritor, martinista e iniciador de Adoplhe Desbarolles. A paixão de Augustin pela proteção da natureza é conhecida sobretudo graças ao seu papel na proteção do Parque de Sceaux. O proprietário desse parque não tinha mais meios de manter um tal espaço e, em 1923, decidiu vendê-lo em várias parcelas. Graças à Sociedade pela Proteção das Paisagens da França e ao apoio de diversas personalidades, ele consegue evitar a destruição desse magnífico espaço verde fazendo com que a propriedade seja comprada pelo departamento do Sena em julho de 1923. Augustin Chaboseau havia proposto no mês de junho a instalação de um museu histórico e arqueológico da região de Île de France no Castelo de Sceaux. O projeto foi adotado em dezembro de 1930 e Jean Robiquet assumiu a direção desse museu. Augustin Chaboseau se torna seu adjunto e conserva esse posto até a declaração da guerra, em 1939.

 

10. A Tradicional Ordem Martinista

Desde o final da guerra de 1914-1918 Augustin Chaboseau frequentava bastante o Grande Oriente da França e o Direito Humano, organização com a qual mantinha relações há muitos anos. Lá deu muitas conferências e participou de muitas de suas atividades até 1937. Podemos nos perguntar por que Augustin Chaboseau preferiu frequentar as lojas maçônicas ao invés das lojas martinistas. É preciso dizer que a situação havia mudado muito depois do fim da guerra. De fato, Papus havia morrido antes do final da Primeira Guerra Mundial, em 25 de outubro de 1916. Desde aquela data, a Ordem Martinista estava adormecida, pois a guerra havia dispersado os membros e o Conselho Supremo, tornando dessa forma impossível a eleição de um novo Grande Mestre. Contudo, diversos martinistas tentaram desde então assumir a direção da Ordem. Todos haviam deformado o Martinismo de tal forma que escandalizava Augustin Chaboseau. Exausto de constatar os muitos desvios do Martinismo de Lyon e de Paris, ele reúne novamente os últimos sobreviventes do Conselho Supremo de 1891 e restabelece a Ordem em 1931.

Procedeu-se então à eleição do Grande Mestre e Augustui foi designado para o posto. Ele, contudo, declina da função em favor de Victor-Emile Michelet. Com a morte de Michelet, em julho de 1938, Augustin assume a função de Grande Mestre. Com a Ordem assim restabelecida, os martinistas acrescentam o qualificativo « Tradicional »ao nome da Ordem, de forma a distingui-la dos diversos movimentos não-ortodoxos. Por esse gesto, os martinistas reivindicavam « a perenidade da Ordem fundada por Papus com eles… afirmando-se como os únicos em condições de manifestar essa regularidade ». A Tradicional Ordem Martinista permanecerá discreta até sua entrada na F.U.D.O.S.I. no final de 1939. A partir dessa data, Augustin Chaboseau se torna um dos três Imperators da F.U.D.O.S.I. A guerra de 1939-1945 iria desgraçadamente se contrapor aos projetos dos martinistas. Essa « guerra ridícula afeta profundamente Augustin Chaboseau e ele foge da capital com seus netos  buscando um refúgio na sua querida Bretanha ». Ele termina em Saint-Servan (próximo a Saint-Malo) os segundo e terceiro volumes da História da Bretanha.

Seu filho Jean estava no front e Jeanne Guesdon o substituía como secretária administrativa para as relações exteriores. Jean Chaboseau, apesar de tudo, conseguia regressar para casa de tempos em tempos. No natal de 1939, Augustin e Jean Chaboseau estavam reunidos com Georges Lagrèze e trabalhavam na organização da Tradicional Ordem Martinista que, apesar da guerra, funcionava clandestinamente. Naquela ocasião enviaram uma simpática missiva a Ralph M. Lewis. Antes do fim da guerra, assediado pelos ocupantes, teve de regressar a Paris. Algum tempo antes do final dos combates, o exército alemão irrompeu em sua casa e pilhou sua biblioteca. Os soldados alemães precisaram de um caminhão para remover os livros, tamanha a quantidade que lá havia. Felizmente, prevenido a tempo, Augustin Chaboseau teve tempo de destruir todos os documentos que testemunhavam suas atividades iniciáticas e pôde, desta forma, escapar do pior.

 

« Até suas últimas semanas, sua atividade intelectual foi intensa: quinze dias antes de sua morte ele ainda redigia notas para um trabalho futuro, trabalhava num poema em doze cantos sobre Buda (interrompido infelizmente no sétimo canto) e havia escrito duas conferências para futuras reuniões martinistas. Em 2 de janeiro de 1946, expirou calma e serenamente, seu pobre corpo tendo se tornado demasiado fraco para que o espírito nele pudesse habitar ». Assim se conclui esse retrato de ‘Augustin Chaboseau. Ainda haveria muito a se dizer, seja no plano de suas realizações literárias (por exemplo, sua colaboração com a grande enciclopédia Larousse), políticas ou iniciáticas. O essencial aqui era apresentar um ilustre martinista que, tendo sido « nutrido pela doutrina de amor e de caridade do Martinismo, pelos estudos sociais transcendentes da Rosacruz e por Saint-Yves d’Alveydre », dedicou-se ao longo de sua vida a pôr em prática o mais alto ideal que ele tinha do Homem.

Christian Rebisse

[i] Teoria de organização social idealizada pelo socialista francês Charles Fourier (1772-1837)

[ii] Feminista e escritora francesa (1828-1894)

TRADICIONAL ORDEM MARTINISTA

LUZ MARTINISTA

Conheça mais sobre a história da Ordem Martinista: 

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