Victor-Émile Michelet (1861-1938) é uma figura importante para o Martinismo. Antigo companheiro de Stanislas de Guaita, de Papus e de Augustin Chaboseau, foi membro do primeiro Supremo Conselho da Ordem Martinista, em 1891. Em Paris, dirigiu a Loja Velleda, que se consagrava ao estudo do simbolismo. Martinista muito ativo, escreveu numerosos artigos para as revistas L‘Initiation e O Véu de Isis. Brilhante orador, apresentou muitas conferências para o Grupo Independente de Estudos Esotéricos fundado por Papus. Foi nessa época que publicou um de seus primeiros textos, O Esoterismo na Arte, na Librairie du Merveilleux.
Após a desestruturação da Ordem, causada pela morte de Papus e pela guerra de 1914-1918, Michelet se encontra no grupo que, com Augustin Chaboseau, Chamuel e Octave Béliard, funda, em 1920, a associação Amigos de Claude de Saint-Martin, também chamada de Ordem Martinista. Esta associação originou o grupo Athanor, dirigido pelo próprio Victor-Émile Michelet. A partir de 1931, esse grupo tomou o nome de Tradicional Ordem Martinista.
A Ordem foi inicialmente dirigida por Augustin Chaboseau, tendo mais tarde, em abril de 1932, Victor-Émile Michelet assumido essa função. Ele permaneceu como Grande Mestre da TOM até sua morte, em 12 de janeiro de 1938. Sob sua direção, a Ordem permanece discreta. Por vezes se manifesta através do grupo Tau, que publica na altura um boletim de estudos psicológicos e metafísicos e organiza conferências no Palácio da Mutualidade. Victor-Émile Michelet dá ainda algumas conferências para a revista Atlantis.
Notável escritor, apaixonado pelo esoterismo e pela poesia, é autor de poemas, contos e peças de teatro. Em 1900, seus méritos foram reconhecidos: um prêmio da Academia Francesa recompensa seus dois primeiros livros, os Contos Aventureiros e os Contos Sobrehumanos. Recebe também o prêmio Sully Prudhomme por sua antologia de poemas intitulada A Porta de Ouro. Em 1937, alguns meses antes de passar para o Oriente Eterno, publica Os Companheiros da Hierofania, um livro no qual evoca suas reminiscências de personalidades tais como Papus, Stanislas de Guaita, Barlet, Sédir, Péladan, Saint-Yves d’Alveydre… Esse livro é um testemunho vivo do grande período do ocultismo na Belle-Époque e do qual Victor-Émile Michelet foi um dos atores essenciais.
Místico e visionário, concedeu um lugar fundamental para o simbolismo em seus escritos, e é exatamente aí que se situa sua contribuição mais específica. Amigo dos maiores escritores de sua época, exerceu importantes responsabilidades no mundo das letras. Foi presidente da Sociedade de Poesia (1910), presidente da Sociedade Baudelaire (1921), membro do Conselho da Casa da Poesia (1931), bâtonnier da Academia dos Poetas (1932) e presidente honorário da Sociedade dos Poetas Franceses. Foi ainda cavaleiro da Légion d’Honneur. Em 1954, Richard E. Knowles fez uma homenagem a este companheiro da hierofania pela publicação de Victor-Émile Michelet, poete esotérico, contendo um belo prefácio de Gaston Bachelard (Edições Vrin).
Como disse Richard E. Knowles no final de seu livro:
« Em Victor-Émile Michelet temos um exegeta consumado do Esoterismo – um pensador esotérico de quilate insuspeito, e isto porque tinha a ciência e a fé. Um Iniciado que, por direito, ocupava um lugar no Santuário junto a seu amigo Villiers de l’Isle-Adam e de seis outros pares que compunham a epígrafe dos Contos Sobrehumanos. »
Com raríssimas exceções, sua obra puramente literária é, assim como sua obra erudita e doutrinária, marcada pelo hermetismo. Em Michelet, aliás, o hermetismo está mais presente do que nas obras de Edgar Allan Poe, de Gérard de Nerval e até mesmo de Villiers de l’Isle-Adam. Victor-Émile Michelet havia consagrado à Transcendência todas as energias de sua mente e de seu coração.
O mistério de sua vida interior ele soube encerrar na torre de marfim recomendada ao iniciado. Uma luz o habitava. Ele se preservou de fazer dela um farol. Durante sua longa existência, sua alma profunda permaneceu como se ancorada no silêncio de seu próprio abismo – neste silêncio solitário em que ressoam em troares de relâmpago todas as tempestades que o agitam e todos os ecosdo divino.
O poema abaixo, intitulado O Silêncio, é característico dessa atitude. Além disso, sua temática está em perfeita ressonância com a filosofia martinista.
O Silêncio
Tu não terás outra morada senão teu coração;
Pois sobre a Terra, onde somos viajantes,
Ninguém construirá sua morada permanente:
Tu não terás outra morada senão teu coração.
Então, ao redor dele, na atmosfera ardente,
Que nasce dele, que o envolve e que aspira
Todos os raios vindos das coisas que ele deseja,
Evoca o silêncio e o divino silêncio;
A forma que reveste a primeira hipostase,
Obedecendo a quem a espera com poder,
Levar-te-á sobre as quatro asas do êxtase.
A vida interior é feita de silêncio.
Ela é o palácio cuja base é o silêncio.
Ela é a flor de fogo: o silêncio é o vaso,
O silêncio é o vaso onde bebes a beleza.
Tu que aqui passas, é certo, mas indeciso
Entre tua vida real e tua vida aparente,
Tua vida real, tenebrosa e veemente
Como a paixão, o trovão e a morte,
Cobre com um véu de sombra e de noite o tesouro
Dessa vida interior, que mede
Entre tuas almas a melhor e a mais pura,
A fim de que nada atente contra seu mistério intenso,
E que sua força virgem, integral, se empregue
A vestir a ocupação em que as mãos do silêncio
Se incumbirão de tecer o tecido da tua alegria.